domingo, 27 de junho de 2010

Um personagem diletante

Há algum tempo eu conheci um senhor bem raro. Eu fazia parte de um cineclube e fui apresentado a ele para conseguir filmes para exibir. O apartamento dele era repleto de dvds e livros, mas podia se perceber que ele era um colecionador bem recente. Todos os livros eram novos e a maioria dos dvds ainda estava no plástico.
No primeiro dia em que fui à casa dele, estava acompanhado por uma namorada. O senhor aparentava aproximadamente 60 anos, era magro, cabelos todos brancos e mostrava certa fragilidade. Convidou-nos logo a entrar, sentar, tomar um café e conversar. Encantava-me o acervo, por mais que me parecesse diletante. Um mago neofito.
Comecei a analisar aquele senhor, que tentava convencer-nos de que era um profundo conhecedor sobre cinema. Defendeu efusivamente pontos de vista controversos. Demonstrou ser excêntrico, talvez louco. Em meio a palavras, baixou as calças para ajeitar uma proteção do joelho. Ficamos espantados, embora pudesse ficar chateado com aquele ato.
No entanto, o que mais me deixou inquieto foi uma afirmativa dele: "eu fiz 32 mestrados". A minha respiração ficou forte. Perdi o senso de qualquer admiração. Senti-me insultado. Pedi imediatamente que ele me mostrasse uma das 32 teses. Ele disse que não tinha como achar, já que acabara de se mudar. Preferi não insistir.
Vi que aquele senhor parecia ter chegado a uma etapa da vida em que era necessário conquistar os outros se transformando num personagem, daqueles que ele provavelmente lera durante toda a vida. Era adolescente e achei que estava sendo subestimado em minha inteligência. O senhor continuou mostrando uns quadros, um tanto picantes até, e dizendo ser de sua autoria. Mais uma vez desconfiei.
Retornei à casa daquele senhor algumas vezes, para conversar e para pegar outros dvds. Sempre convidando a participar do cineclube (um grupo de estudantes da Ufal que promovia sessões gratuitas de cinema, com filmes clássicos). Minhas visitas pararam porque não me contive em contestar algumas afirmações de "um famoso escritor, que teria trabalhado com Cacá Diegues, sido produtor da TV Globo, TV Cultura, entre outros trabalhos". O fato era que eu já tinha pesquisado várias vezes na internet e nada. Nenhuma citação sobre o tal senhor.
Ele terminou se abusando de tantas perguntas e, por senti-lo irritado, parei de ir lá e nunca mais o vi. Anos mais tarde, vi na capa de um jornal local o senhor lançando três livretos, de poucas páginas mesmos, com as ilustrações que ele me mostrara. Até hoje tenho dúvidas sobre o que era verdade e o que era falso sobre o que ele me disse. Um sentimento de admiração retornou para aquele personagem quase quixotesco, se reiventando. Perfeitamente!

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